sábado, 7 de fevereiro de 2009

A degola - Parte Final





Parte Final (Leia antes a Parte I)

Honófre nem de longe poderia ser comparado ao famoso Adão Latorre, maragato, que segundo consta, em 23 de Novembro de 1893 degola 300 Pica-paus prisioneiros, às margens do Rio Negro, no local que ficou conhecido como Potreiro das Almas, na cercania de Bagé. Tão pouco haveria de se comparar ao não menos famoso Cherengue, pica-pau, que em 5 de Abril do ano seguinte, no Combate do Boi Preto, degola 250 maragatos, em represália ao acontecido no Rio Negro. Não tinha fama e tão pouco queria, mas de fato todo maragato que ganhava a gravata colorada para bandas da fazenda do capitão Julião, certamente era pelas mão dele, Honófre.
A noite de Zefa foi de insônia, as vozes das lavadeiras ecoavam na penumbra do quarto e povoavam sua mente, o medo tomara seu corpo, suas carnes tremiam, alma horrorizada, não dormia, não rezava, apenas pensava .
Dormira ao lado do carniceiro, assassino, por tantos anos, mas na inocência, agora que sabia, provara do fruto proibido, estava condenada, era impossível pregar olho, e se ele adivinhasse seus pensamentos? E se alguma das mulheres comentasse sobre os relatos feitos a beira do rio? E se Honófre resolvesse fazer com ela o mesmo que fazia com os maragatos. Definitivamente, era impossível dormir ao lado da fera.
Deixou a cama, delicadamente para não correr o risco de acordar o marido, esgueirou-se pelo quarto escuro, pegou uma manta e cobrindo-se com ela, saiu furtivamente da casa, passou por um pequeno pátio e entrou na cozinha, construída separada do restante por causa do risco de incêndios.
Fez fogo, aqueceu água, preparou o chimarrão. Não se acalmou.
Sorveu o chimarrão em silêncio, madruagada a dentro, enquanto em seu diálogo íntimo, discutia, brigava, questionava, o que fazer? “ – Não sei, não sei !” Pensava…
“ - Matar em batalha, frente a frente, com arma branca era sinal de coragem, bravura, já a arma de fogo demostrava mais medo do que outra coisa, mas tudo bem era uma guerra, desde que não fosse pelas costas, pois isso seria covardia…Agora degolar o vivente amarrado de pés e mãos como se fosse um bicho, era selvageria! O que fazer?” Pensava….
Zefa fechava os olhos e imaginava o marido pegando alguém pelos cabelos e puxando a cabeça pra trás, oferecendo o pescoço à faca afiada, o sangue, o grunhido e a morte. “ - Demônio ! O que fazer? ” Pensava…
Largou o chimarrão sobre a mesa, levantou, suspirou profundamente e entrou na casa da mesma forma como saíra.
Amanheceu. A mulher de pé junto a cama, imóvel, rígida, como uma estátua, os braços caídos ao longo do corpo, a pele cinza da noite sem dormir, o olhar distante dos abandonados pela razão e perdidos do espírito.
No chão, a seus pés, jazia ensanguentada, a pequena faca, feita de meia tesoura de tosquiar, com cabo de rabo de tatu.
Na cama o marido morto, não com a gravata colorada, que essa era reservada aos heróis, mártires daquela triste guerra, tinha apenas com um pequeno corte…Um pequeno corte na jugular.

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom o seu blog.. os textos...o espaço... a energia. Parabéns! Luciana

Anônimo disse...

Confesso, ainda sinto um leve arrepio no meu pescoço. hehehe.
Abraços meus e bom domingo...

Dalva Nascimento disse...

Boa noite, Diler.

Pobre Zefa... uma vítima dos tristes "heróis"! Lendo teu conto me recordei da deliciosa leitura do Veríssimo , o Tempo e o Vento...

Tem um selinho de presente prá ti lá no Interlúdio!

Bjs.